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1º de agosto - Dia do Poeta da Literatura de Cordel

publicado: 01/08/2019 08h12, última modificação: 01/08/2019 08h12

Por Profª Ms. Kênia Brant*

 A poesia de cordel e o poeta cordelista fazem parte daquele recôndito da memória e fantasia do universo infantil, como se lenda fosse avistar um folheto e um poeta cordelista. É bem comum ao iniciante leitor de poesia vincular o poeta cordelista ao poeta matuto. O poeta matuto difere do poeta cordelista exatamente pelo tipo de literatura. O cordelista deve seguir a métrica do cordel na organização da escrita poética. Já o poeta matuto, mesmo utilizando de rimas e de cadência, age com maior liberdade na escrita, o que não o impede de também trilhar pelos rastros da literatura de cordel. 

Um erro recorrente é comparar e fazer equivaler esses dois poetas na literatura oral, e mais, a determinação de que todos os poetas da literatura oral são semialfabetizados ou iletrados, por isso mesmo optam pela oralidade. Na realidade eles optam pela palavra, que memorizada é entoada, a palavra em sua “vocalidade”, como bem alcunhou Paul Zumthor. De fato, os pioneiros poetas detinham de pouca formação. Havendo dentre eles semianalfabetos, esses tomavam de outras mãos para a escrita de suas poesias. No Brasil esses poetas tiveram suas poesias propagadas entre 1920 e 1930. Essa divulgação era rudimentar, pois a imprensa dava seus primeiros passos para produção seriada, daí é que a forma de “gravar” utilizada por eles era, antes mesmo da impressão manual, a declamação nas feiras livres, espaço nato para divulgar a poesia popular e logo em seguida, vender o folheto de cordel, um misto de escrita e oralidade, recheada ainda de muita representação performática ao expor e vender suas narrativas poéticas aos passantes das ruas e mercados. 

Muitos desses poetas cordelistas eram também confundidos com os poetas repentistas, visto que eles também usavam a rima e a métrica para dar sonoridade à literatura tipicamente oral. À primeira geração desses poetas populares coube estabelecer as regras dessa literatura, que na realidade foi recebida como herança portuguesa seguindo a métrica de rimas por sextilhas, décimas, e outras rimas de repetição, para difundir as diversas narrativas que, depois de impressas, passaram a ocupar os espaços em extensos varais de barbantes ou cordas, a similitude com a palavra Cordel, ou seja, aquilo que está sob a corda. Assim, a poesia rimada passa a ser conhecida como Poesia de Cordel. E em nada esses poetas deixam a desejar em suas narrativas ficcionais e biográficas como qualquer outra boa literatura da tradição. 

Vale também ressaltar que essa literatura oportunizou a divulgação da gravura, especialmente da xilogravura, que nos primórdios das impressões dos folhetos era uma forma de garantir a autenticidade da autoria do poeta e do gravador. O ilustrador do folheto utilizava da técnica rudimentar da xilogravura, para “deformar” a matriz original de forma que ela não fosse reutilizada como original. O poeta por sua vez, recorria a acróstico nos versos iniciais ou finais. Na atualidade, a questão da autoria está regimentada pelo código civil que ordena sobre os direitos autorais. 

O cordel já aclimatado no Brasil, em adiantado enraizamento (final sec. XIX), todavia não há registro de quem seria o iniciador dessa forma cordelista. Câmara Cascudo indica que teria sido do poeta Pirauá os primeiros registros impressos, seguido de Leandro Gomes de Barros que recebe como mérito o reconhecimento de fundador da poesia cordelista no Brasil. 

Foram muitos poetas cordelistas que encantaram o Brasil afora com seus versos, ora dóceis, ora malvados, ora romanescos e até mesmo depravados. Para fazer honra e cumprir a memória histórica dos primeiros cordelistas, citamos alguns nomes da primeira geração (Poetas Pioneiros – 1900-1920) Antônio Ferreira da Cruz, Francisco das Chagas Batista, João Melquíades Ferreira da Silva, Severino Milanês da Silva, Silvino Pirauá de Lima, José Camelo de Melo Resende, Leandro Gomes de Barros. 

As biografias, desses poetas e dos demais da segunda geração, estão disponíveis no site da Academia Brasileira de Literatura de Cordel. E para aqueles que ainda deduzem que na atualidade são poucos os poetas cordelistas, verifiquem no site da Fundação Casa de Rui Barbosa. Lá estão listados outros tantos poetas cordelistas contemporâneos brasileiros. 

Por fim, para registrar esteticamente a riqueza da cultura popular, a literatura de cordel continua impactante. No cordel a seguir a narrativa é um embate com a lógica de mercado como mediadora do pacto midiático. Gustavo Dourado é um desses contemporâneos que se posiciona sobre a questão da mídia, faz valer da sua escrita e vocalidade em tempos mudos para bradar alerta máximo à “Midiótica”: 

[...]

A mídia invade a alma
O cérebro...o coração
Subliminar controle
Na tela da televisão
Na ondas da Internet
A mando do Grande Irmão...

A mídia con$ome o ser
Com propaganda e novela
Aliena o pensamento
Big Brother gere a tela
Fomenta a inconsciência:
Faz do sonho: triste cela...

 A mídia amamenta
O político trambiqueiro
Cria imagem collorida
Para porco no chiqueiro
Faz galo botar ovo
E bode virar carneiro...

(DOURADO, s/d)

 

Referências Bibliográficas: 

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LITERATURA DE CORDEL. História do cordel. Rio de Janeiro: ABLC, 2005. Disponível em: ttp://www.ablc.com.br/historia/hist_cordel.htm>. Acesso em: 1 set. 2018. 

CASCUDO, Luís da Câmara. Literatura Oral no Brasil. São Paulo: Global, 2006. 

DOURADO, Gustavo. Midiótica. Site Gustavo Dourado. Disponível em:

http://www.gustavodourado.com.br/cordel/Bai%E3o%20do%midi5otica.htmAcesso em: 03 fev. 2012. 

ZUMTHOR, Paul. Performance, Recepção, Leitura. 2ª. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2007. 

FUNDAÇÃO CASA DE RUI FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA. Disponível em: http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/poeta.html# Acesso em: 28 jul 2019. 

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* Mestre em Estudos de Linguagens (CEFET-MG); Especialista em Filosofia Moderna e Contemporânea (UNIMONTES); Especialista em Ensino de Artes Visuais (EBA/UFMG); Graduada em Artes Plásticas (UNIMONTES). Atualmente, é doutoranda pelo PPGE/UFES e professora do IFMG - Campus Governador Valadares. Saiba mais!