Você está aqui: Página Inicial > Notícias > Livro publicado por professor do Campus apresenta questões que intrigam a humanidade e revela aspectos da vida de Jesus histórico
conteúdo

Notícias

Livro publicado por professor do Campus apresenta questões que intrigam a humanidade e revela aspectos da vida de Jesus histórico

publicado: 15/04/2021 13h49, última modificação: 16/04/2021 14h41
(Foto: Domínio Público)

(Foto: Domínio Público)

“Um camponês pobre e simples que se transformou no vulto mais importante da História da humanidade”. Em síntese, é como o professor de História do IFMG, Alex Fernandes Bohrer, descreve Jesus histórico, alvo de sua mais nova obra indagadora “Jesus: Um breve roteiro histórico para curiosos” (Chiado Books, 2021).

Autor de outros dois livros, “O discurso da imagem: Invenção, cópia e circularidade na arte” (Lisbon International Press, 2020) e “Ouro Preto - Um Novo Olhar” (Grupo Editorial Scortecci, 2011), Alex Fernandes leciona no campus Ouro Preto as disciplinas de História, História da Arte, Estética, Iconografia e Simbologia.

Em 25 capítulos questionadores, o professor convida curiosos sobre o assunto a desvendar as dúvidas e contradições em volta dos acontecimentos documentados da vida da personalidade mais importante do cristianismo, embasado por estudos arqueológicos e científicos. Ao longo de 254 páginas, Jesus e os personagens ao seu redor são apresentados desprovidos de suas vestes sacras, possibilitando ao leitor a oportunidade de enxergá-los como humanos que foram, providos de dilemas e anseios. “[Jesus] é como uma cebola: quanto mais você retira as cascas, mais se aproxima do personagem real que viveu na Palestina no primeiro século”, pontua Bohrer em conversa com o portal do IFMG - Campus Ouro Preto. Diante de toda complexidade do tema, o professor observa que “a fé é bem mais simples do que a realidade histórica, que é muito mais paradoxal”.

Confira a entrevista com o professor:

IFMG: Os estudos de uma figura de apelo religioso têm espaço na ciência? Há como conciliar sua versão histórica com a imagem projetada religiosamente?

Alex: Existe uma diferença muito tênue entre Jesus e o Cristo. O grande desafio dos pesquisadores é fazer essa balança se equilibrar. Você não deve abrir mão do ente religioso, até porque está lidando com a fé de bilhões de pessoas, mas, também não pode abrir mão do homem histórico, mesmo porque nós sabemos, para os religiosos mais conscientes, que entender a figura por trás desse personagem real é importante para a sua própria fé. Quem não é cristão, quem é judeu, budista ou ateu, pode se interessar por esse personagem.

IFMG: Então, Cristo é uma figura religiosa e Jesus é um ator histórico...

Alex: Sim, há uma diferença muito grande. Cristo não era seu sobrenome, mas sim, o grande personagem do Cristianismo e do mundo ocidental. Jesus foi um personagem real, histórico, com vida datável. Ao contrário, por exemplo, dos deuses romanos, como Vênus e Mercúrio, que os contemporâneos de Jesus adoravam, entretanto ninguém sabia quando e onde nasceram, isto é, não eram datáveis, nem localizáveis. Jesus se baseia num personagem real, bem diferente da mitologia greco-romana. Eu sei que muitas vezes as pessoas defendem a inexistência do personagem real e histórico, mas isso, geralmente, é feito sem qualquer respaldo analítico, da história ou da arqueologia. Hoje, nenhum grande historiador defende que Jesus não existiu. Existe o personagem Jesus cujo nome, provavelmente, era Jesus Bem José (Jesus, o filho de José), muito comum à época.

IFMG: É possível extrair um retrato da existência de Jesus?

Alex: Jesus nasceu na Judéia e provavelmente pode ter nascido quatro anos antes da data que julgamos ser seu nascimento. A Bíblia atribui à Belém sua cidade natal, mas é muito provável que ele tenha nascido em Nazaré, terra de sua mãe. O acontecido não foi em 25 de dezembro, pois essa data já era celebrada pelos romanos. Na verdade, houve, como várias outras facetas de Jesus, uma moldação das crenças romanas com as novas que estavam surgindo. Ele era chamado de Jesus Nazareno, provavelmente nunca tendo sido chamado de Jesus Cristo, em vida. Os nomes que aparecem nos Evangelhos são Jesus Nazareno, Jesus Carpinteiro e Jesus Galileu, fazendo referência ao território em que cresceu: a Galileia. A gente sabe, por exemplo, que ele não devia ser rico. Quando a Bíblia cita o episódio em que para Jesus ser circuncidado (uma espécie de batismo de todos os meninos no oitavo dia de vida) seria necessário se levar um cordeiro, Maria, sem dinheiro, leva dois pombos. A profissão de José também não devia ser muito lucrativa. Apesar de a tradução sugerir que fosse carpinteiro, a tradução mais verdadeira seria construtor. Existiam algumas construções grandes e talvez Jesus tenha crescido nesse meio. Jesus não era branco, era semita, com cabelo e barba crespos, apesar de o cinema consolidar sua imagem como sendo a de um homem branco. Provavelmente uma altura mediana, de 1,60 a 1,65m, já que todos os esqueletos da época mostram essa altura. Além de usar muitas metáforas que faziam sentido para a população mais pobre, que envolviam lavoura, pesca, construção e o ódio aos samaritanos, a quem ele dizia serem gente boa também. Ele desagradou os dirigentes romanos, que não gostavam de nenhum tipo de tumulto. Tinha uma mensagem que desagradava os dirigentes judeus, que esperavam que o Messias traria um reino físico, ou seja, que expulsasse os romanos. Jesus era do tipo “paz e amor”, um tanto hippie, que dizia que “meu reino não é deste mundo, é do próximo”. Essa foi sua grande sacada, porque atraiu milhares de fiéis e desagradou os judeus, com medo de que algum líder representasse ameaça ao seu poder.  Muito diferente do que se vê no cinema ou se aprende no catecismo, Jesus era frequentador de festas, com vários relatos de sua presença, e vivia junto aos cobradores de impostos e às prostitutas, duas categorias detestadas pelos judeus. Provavelmente bebia vinho, era sempre rodeado de uma multidão e contava piadas, que, hoje, podem não soar como piadas para a gente, mas eram engraçadas ao homem do primeiro século.

IFMG: Como a participação das mulheres impactou os primórdios do cristianismo?

Alex: A Bíblia conta que em volta de Jesus havia várias mulheres, várias Marias, inclusive, pois era um nome muito comum. A própria mãe, Maria Salomé, Maria Marta e Maria Madalena. E no começo, Júnia é mencionada como grande apóstola. Paulo fala: “Ela estava em Cristo antes de mim”, ou seja, ela tinha aceitado a fé antes de Paulo, talvez tenha até o conhecido. Uma coisa que chama atenção é que a maior parte dos mártires são mulheres e a história sempre se repete: uma mulher virgem, que quer manter a castidade, que recusa a se casar com um pagão porque seu pai não é cristão, mas ela se cristianiza. Uma delas, que gostaria de destacar, é Helena. Mulher de origem humilde, se cristianiza e consegue se casar com um general romano, Constâncio Cloro, que permite com que ela continue com a religião, afinal, nem todo mundo que era pagão perseguia os cristãos. Esse general, depois, vai ser um dos governantes romanos. Por uma série de motivos, quando ele morre e seu filho, Constantino, assume o poder, resolve-se pela reunificação do Império e várias batalhas por esse ideal. Constantino era pagão, mas sempre ouviu sobre o cristianismo por sua mãe falar em seu ouvido, e existe uma batalha, que aconteceu na Ponte Mílvia, que mudou completamente a história da humanidade. Segundo a lenda, Constantino viu uma cruz no céu e nela estava escrito “sob este símbolo, vencerás". Não sabemos se essa visão foi verdadeira, mas a verdade é que ele mandou, antes da batalha, pintarem cruzes brancas sobre os escudos, em cima da águia romana, e eles vencem. Esta batalha foi a sorte do cristianismo, porque quando vence, realmente unifica o Império. A mãe dele fala: “Tá vendo porque você venceu? Você pintou a cruz”. Ele para com as perseguições aos cristãos e permite as construções de templos e igrejas.

IFMG: Muito se especula sobre como seria a reação popular às falas e ações de Jesus nos dias de hoje. Você acredita que essa recepção de sua mensagem seria pacífica?

Alex: Eu acho que ele morreria de novo. Ele sabia que a mensagem não iria trazer paz. Ele sabia que aquilo iria incomodar, ele não era burro. Há vários relatos que ele comentou sobre sua morte, antes mesmo de acontecer. Então, ele sabia que sua morte seria violenta. Um homem, nesse sentido, corajoso. Ele sabia que iria causar discórdia. A verdade é que a mensagem dele é revolucionária ainda para os dias de hoje, então o mundo não está preparado para uma mensagem revolucionária. A frase que resume toda sua mensagem é: “Ama ao próximo como a ti mesmo”. Basta olhar uma postagem nas redes sociais e a maioria dos comentários são violentos. O ser humano não está preparado para a tolerância e é interessante que essa religião, como um todo, se transformou, através dos séculos, em um instrumento para instituir que “nós estamos certos, vocês estão errados”. Isso não parece estar presente na fé original deles. O Deus que ele fala é bem diferente do Velho Testamento, que é intolerante. Tanto que João, um dos caras que melhor entendeu sua mensagem, fala que “Deus é amor”, mas o Deus do antigo testamento não é amor, o qual o chama de Senhor dos Exércitos. Jesus, em nenhum momento, fala desse Senhor dos Exércitos, que vai ao encontro dos judeus à época. O cristianismo, tal como ele se delineou, acabou se transformando em uma religião bastante intolerante, mas refere-se mais ao que seus seguidores fizeram com a fé, do que por ele mesmo. Ele não pensou em uma nova religião, pensou numa nova mensagem para o judaísmo.

IFMG: Os capítulos do livro respondem a 25 perguntas. Para elas, há alguma sem resposta ou que tenha enfrentado grande dificuldade em responder?

Alex: Eu não dou a resposta direta, os leitores constroem a resposta comigo. É um livro cheio de perguntas dentro de perguntas. O livro é mais indagador, de divulgação científica, e eu não me proponho a responder nada, e sim, questionar. Algumas coisas a gente tem certeza absoluta, por exemplo, a questão da arqueologia em Jerusalém. Por exemplo, existe fonte documental fora da Bíblia sobre Jesus? Existe! Para algumas, não sei a resposta, mas tento entender a resposta junto ao leitor, sem contar algumas perguntas mais polêmicas, próprias dos dias atuais. No entanto, a pergunta mais difícil é responder: “quem foi Jesus?”. Não só eu, mas toda a civilização ocidental nos últimos dois mil anos deve ter se feito essa pergunta. Contamos a data de nascimento a partir do nascimento de um camponês pobre, não é de um general ou grande político. Talvez esse já tenha sido seu maior milagre, ter se transformado no vulto mais importante da humanidade.

Serviço
Jesus: Um breve roteiro histórico para curiosos
Alex Fernandes Bohrer
Editora: Chiado Books
254 páginas
Ano: 2021